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28 de set. de 2011

Elementos de Euclides e o Racionalismo


    Eis um livro que todo mundo conhece muito bem sem nunca ter lido, Elementos de Euclides, original de 300 a.c. Essa versão eu não sei em que museu está, mas na internet tive acesso a impressão da Universidade de Coimbra de 1855.
    Me chamou atenção esse livro pelo fato de ter sido sobre ele que foi construída a escola de epistemologia Racionalista, dos quatro grande pensadores René Descartes, Baruch Spinoza, Gottfried W. Leibniz e Immanuel Kant. Esse método consiste em tomar determinados conhecimentos supostos como verdadeiros e, a partir deles, provar teoremas, isto é, verdades derivadas, utilizando um procedimento seguro ou preservador de verdade, trata-se do mesmo método utilizado também pelos lógicos até hoje. Em verdade, não podemos compreender a epistemologia se não conhecermos as teorias de Descartes, Kant e dos empiristas britânicos.(DUTRA, 2010).
    Descartes tomou o modo de investigar dos matemáticos, que se consolidou na obra Elementos do matemático grego Euclides, como modelo do pensamento racional rigoroso, que Descartes e os demais racionalistas desejavam aplicar à filosofia. (DUTRA, 2010).
    A reforma do saber, que tanto racionalistas quanto empiristas empreenderam, visava a uma oposição à metafísica e à fundamentação da ciência moderna. Entendia-se que era nas ciências bem-sucedidas que o intelecto humano mostrava toda a sua capacidade. Daí o interesse especial pelo método axiomático da geometria euclidiana. (DUTRA, 2010).
    A obra de Euclides (1855) inicia-se com as definições:

    I. Ponto é o que não tem partes, ou o que não tem grandeza alguma;
    II. Linha é o que tem comprimento sem largura;
    III. As extremidades da linha são pontos;
    IV. Linha reta é aquela que está posta igualmente entre as suas extremidades;
    V. Superfície é o que tem comprimento e largura...

    Ou seja, se hoje qualquer monografia deve apresentar as definições dos termos, culpem Euclides, e mais ainda Descartes que o usou de pedra fundamental epistemológica. Mas acredito eu que com ou seu Euclides ninguém escaparia das definições, quero chamar atenção para o capítulo dos axiomas que inicia assim (EUCLIDES, 1855):

   I. As coisas que são iguais a uma terceira, são iguais entre sí;
   II. Se as coisas iguais se juntarem a outras iguais, o todo será igual;
   III. E se das coisas iguais se tirarem outras iguais, os restos serão iguais;
   IV. E se as coisas desiguais se juntarem a outras iguais, o todo será desigual;
   V. E se das coisas desiguais se tirarem coisas iguais, os restos serão desiguais...

     O Racionalismo se apoia na ideia de Euclides (1855) para assumir que as demonstrações feitas por meio de método axiomático dependem da aceitação prévia das noções primitivas. O método axiomático é, sem dúvida, um instrumento de valor para a teoria do conhecimento. O Racionalismo é o projeto de encontrar essas primeiras verdades, e a partir delas, por meio de um método axiomático ou dedutivo rigoroso, derivar outras verdades, fundamentando completamente o saber humano (DUTRA, 2010).
     O que há a mais a ser dito sobre o método axiomático e o racionalismo é que a razão não é apenas "fonte" de verdades fundamentais, mas também algo dotado de capacidades ou faculdades. A noção geral de que possuímos faculdades cognitivas (como a sensibilidade, a imaginação, o entendimento e outras) é um pressuposto tipicamente racionalista, pois está associada a essa perspectiva a ideia de que o intelecto humano possui determinada estrutura, e que ela, enquanto nos capacita a conhecer (determinadas coisas), impões-nos restrições ou condições especiais (segundo as quais as coisas podem ser conhecidas). Os racionalistas acreditam que a estrutura do intelecto humano contém "conteúdos" (DUTRA, 2010).
    O aprendizado de Descartes com Euclides (1855) fica evidente quado ele argumenta que a dedução, que nos permite conhecer as coisas, mesmo sendo certas, não são por si mesmas evidentes. Mas elas podem ser conhecidas se forem deduzidas a partir de princípios verdadeiros e conhecidos por um movimento ininterrupto do pensamento, que possui uma intuição clara de cada coisa. (DUTRA, 2010)
    Entende-se que não interessa o conhecimento (mesmo que verdadeiro) adquirido por qualquer outro método que não seja o racional, exatamente como fez Euclides (1855) que apresenta seu raciocínio com a seguinte ordem: Definições; Axiomas; Postulados; Proposições. Sendo que cada um apresenta um grau mais denso de sofisticação teórica sempre baseado na categoria imediatamente inferior e desta forma reduzindo-se até axiomas e definições das quais nada pode mais ser reduzido. A necessidade então é de buscar sempre a verdade original que sustenta todo o sistema o Cogito.
   

27 de set. de 2011

DAVIDSON: On the Very Idea of a Conceptual Scheme


    O certo era ler o livro todo, mas seria muito desvio de rota de minha parte, sabendo que meu objeto está fixo. Mas ele é a pedra fundamental para fechar a discussão epistemológica, sobretudo para completar Quines (1951). O texto escolhido então foi "On the Very Idea of a Conceptual Scheme". O texto trata basicamente da dualidade analítica e sintética. Só que a argumentação para a força da linguagem é bastante diferente dos que tinha lido anteriormente. Na verdade assim como todos, tenho a impressão que o empirismo sai fortalecido, mesmo sem que seja necessário testemunhar a seu favor.
    Esquemas conceituais são formas de organizar experiencias, são sistemas de categorias que dão forma aos dados sensoriais, eles são pontos de vista dos quais indivíduos, culturas ou períodos buscam os cenários passados (DAVIDSON, 1973).
    Percebam que nada Davidson (1973) falou sobre modelagem, certamente não era o seu foco, nem o meu, mas é possível sim afirmar que modelagens empíricas são esquemas conceituais observando o rigor conceitual do próprio. Categoricamente Davidson (1973) afirma que todos tem esquemas conceituais (por exemplo, religiões são esquemas conceituais) e todo esquema conceitual, provavelmente, possui esquemas rivais. Já que são originados pelos sentidos e isso explica tudo.
    A existência de esquemas rivais é conhecida como paradoxo ou contradições. O relativismo conceitual nos afasta da ideia de que haja um real e um irreal, na verdade nosso ponto de estudo é muito mais modesto, o objetivo primário é tentar entender como estabelecer fronteiras entre os esquemas conceitais e como diferenciar esquemas conceituais novos de uma ideia estranha ou simplesmente absurda.
   O esquema conceitual provavelmente mais conhecido é o idioma. Se esquemas conceituais diferem entre si, idiomas diferem também. Mas pessoas de diversos idiomas conseguem de alguma forma manter um esquema conceitual transversal e conversar através de traduções por entre diferentes idiomas. Sendo assim o problema é mais complexo do que se pensava, como diferenciar as categorias ordinárias de operação de linguagem e de estrutura de linguagem? (DAVIDSON, 1973) * traduzi livremente o termo language como idioma, por fazer mais sentido ao texto, mesmo que as vezes se aproxime de linguagem.
   Podemos dizer que duas pessoas possem diferentes esquemas conceituais se falarem idiomas que não sejam possíveis de serem inter-traduzidos? Para Davidson (1973) não há idiomas que sejam totalmente não inter-traduzíveis, mas existem os que são parcialmente não inter-traduzíveis. Sendo assim é possível refletir sobre essa questão quando em casos de não haver tradução adequada para casos particulares entre diferentes idiomas.
   Existem duas formas de se descrever um mundo verdadeiro em qualquer idioma utilizando um sistema fixo de conceitos (palavras com significado fixo). Algumas sentenças serão verdadeiras simplesmente porque os conceitos ou significados são verdadeiros (pessoas infelizes não são felizes), outros devido ao jeito que o mundo é (pessoas infelizes não conseguem atingir seus objetivos pessoais). Desistir da distinção analítica-sintética como base de entendimento da linguagem é desistir da ideia de que podemos claramente a teoria da linguagem. (DAVIDSON, 1973).
   Ou seja, a linguagem tem sua capacidade assertiva questionada e quando no embate perante ao empirismo, assume papel secundário. Outros autores acompanham Davidson:

   Nosso argumento contra o significado fixo é simples e claro. Usualmente adotamos significados (princípios) que estão envolvidos com teorias antigas e que são inconsistente frente a novas teorias. A solução é natural, substituir os antigos princípios por novos, eliminando os antigos significados. (FEYERABEND, 1962).

    Davidson (1973) admite que seu posicionamento é conflitante com o de outros autores como Quine, Smart, Wittgenstein e Ryle. E ele justifica em linhas gerais que não vê a linguagem como limite e que não admite que a solução para substituições de esquemas conceituais sejam unicamente a alteração na linguagem. pro cara bater com essa gente grande aí tem que ser muito foda heim
    O dualismo sintético-analítico julga as afirmações verdadeiras ou falsas devido ao seu significado e ao seu conteúdo. Se abandonarmos o dualismo, nos abandonamos a concepção de significado quem vem com este, mas não abandonamos o conteúdo empírico. Podemos sustentar, se quisermos, que todas as sentenças tem conteúdo empírico. (DAVIDSON, 1973)
    Conteúdo empírico é explicado pela referência aos fatos, o mundo, experiências, sensações, a totalidade do estímulo sensorial ou algo similar. Significado nos dá uma forma de falar sobre categorias, organização das estruturas de linguagem. É possível abandonar os significados e a analiticidade enquanto mantemos a ideia da linguagem enquanto incorporando esquema conceitual. (DAVIDSON, 1973).
    Davidson (1973) sustenta ainda que não é necessário atrelar o empirismo ao modelo lógico de afirmações sentença por sentença.
    A linguagem produz uma organização das experiências. Somos inclinados a pensar a linguagem simplesmente como uma técnica de expressão, e não entender que a linguagem primeiramente é a classificação e o arranjo de sensações que resultam em uma certo mundo-demandado. Ou seja, linguagem faz, em suas devidas proporções, o mesmo papel da ciência. Nós somos então introduzidos a novos princípios de relativismo, o qual sustenta que todos os observadores não são levados pelas mesmas evidências físicas à mesma figura do universo, a não ser pelo suporte linguístico que é similar entre todos, ou pode ao menos ser calibrado (WHORF, 1956).
   Feyerabend (1965) sugere que nós podemos comparar esquemas conceituais contrastantes pela escolha de um ponto de vista externo ao sistema ou a linguagem. Isso é possível pois há ainda experiências humanas como processos reais, independente dos esquemas conceituais.
   A experiência sensorial provê todas as evidências para a aceitação das sentenças (mesmo as que sejam completamente teóricas) (DAVIDSON, 1973).

    

8 de set. de 2011

Quine em: Two Dogmas of Empiricism



      Hoje, e finalmente, trago o fichamento do texto Two Dogmas of Empiricism do Quine. Não se trata de um texto tão divertido... mas sua leitura é importante, e no caminho que estou traçando, é fundamental. Fiz a leitura em uma xerox do livro From a Logical Point of View, do qual só tenho esse trecho, e por falta de informações, tive que rastrear na web atrás da citação correta, já que nem o ano eu sabia. Pois não é que encontro uma dissertação nacional sobre o Quine, e nas citações... nenhum texto do Quine... isso diz muito.
    

     Os dois Dogmas do empirismo modernos segundo Quines (1951) são:

     1.  A crença de que há uma rachadura fundamental entre as verdades que são analíticas (fundamentadas nos significados independentemente dos fatos) e sintéticas (fundamentadas em fatos);
     2. Reducionismo. A crença de que cada afirmação é equivalente a alguma construção lógica em termos que se referem a experiências.

     Grande parte do texto é dedicado a explanação do que seria analítico. Se diz que uma verdade é analítica quando ela é em virtude de significados e independente dos fatos. Um estudo bem feito sobre verdade analítica deve considerar o texto de Kant (comprei por R$5,00 no sebo). Até meu original chegar me contentarei com o comentador Quines (1951) que afirma que na visão de Kant a lógica analítica é limitada pela incapacidade de fugir da relação sujeito-predicado e permanece presa ao nível metafórico.
     Sendo assim, o texto se faz entender que as normais gramaticais regulam a elaboração da verdade analítica, o que realmente trabalha no limite da nossa capacidade de bom senso, apenas esse posicionamento inicial faria-me acreditar que Quines é contra a verdade analítica.
    Quines estou me esforçando para não escrever quilmes (1951) debate primeiramente a relação entre palavras e coisas, e afirma que os nomes são arbitrários e isso os iguala em importância aos seus significados quando na relação analítica. Pois para análises desta natureza, sempre será necessário definir os termos. Entretanto existem duas classes de termos, os singulares (o oitavo planeta do sistema solar) e os gerais (criaturas com coração). 
    Termos singulares nomeiam entidades, abstratas ou concretas, enquanto os gerais não. Mas um termo geral  pode representar a verdade sobre uma entidade, de cada um ou de muitos ou de nenhum. A classe de uma entidade a qual um termo geral é dito verdade denomina-se extensão do termo (QUINES, 1951).
   Quando construímos uma verdade para o turismo em porto de galinhas, trabalhamos com um termo simples que é válido apenas para este, se fizermos um estudo para o turismo em praias do nordeste, o termo se torna geral e sua extensão define todas as localidades inclusas na verdade que dissermos.
   Algumas distinções começam a ser feitas. É comum de se confundir extensão com significado, sobretudo nos termos singulares. Os termos representam algo (extensão), mas não necessariamente significam isso. Significado, inclusive, é uma característica exclusiva das formas linguísticas (palavras), as coisas não possuem significados, elas possuem essência. Significado é o que a essência se torna quando está é separada do objeto e se junta à palavra. Significados por si só são entidades intermediárias obscuras e devem ser abandonadas (QUINES, 1951). ^^
   Argumentos analíticos não são difíceis de encontrar. Quines (1951) os distingue de duas formas, os primeiros que são verdadeiros independente do significado das palavras, e os segundos que se tornam verdade a partir do uso de sinônimos.

    1. Ninguém infeliz é feliz.
    2. Ninguém triste é feliz.

   Independente do significado da palavra feliz, a afirmação 1 sempre será verdadeira pela sua estrutura, sobretudo pelo uso do prefixo in-. A afirmação 2 torna-se verdadeira quando assumimos que triste é sinônimo de infeliz, e torna-se falsa, se assumirmos que triste possui um outro significado qualquer que perca o sentido de 1.
    Essa lógica, trivial, é necessária para verdade analítica. Não há mais dúvidas de como construir uma verdade analítica, mas isso não resolve nosso problema, dizer que o argumento 1 não serve para 99,99% dos casos é o obvio ululante, simplesmente porque ele não diz nada, apenas faz um jogo seguro de palavras que garante a validade de 2, que é onde cravaremos nosso conhecimento. Se 2 for verdade, existe uma gama ilimitada de afirmações possíveis, o problema então é "apenas" entender como garantir que 2 possui um sinônimo que nos leve a 1?
    Seja como for, não devemos aceitar que isso seja apenas um jogo de palavras, onde através do uso de sinônimos a verdade é construída. O propósito não é meramente parafrasear a definição com outras palavras, deve, na verdade, melhorar a definição através do refino ou suplementação de seu significado.
    Prestando atenção, isso é bastante complicado. Mas fica simples se entendermos que não adianta dizer que um homem infeliz não é feliz, temos na verdade que melhorar a explicação. Um homem infeliz é aquele que sofreu uma perca considerável em sua vida, por exemplo.
    Existem três formas então de parafrasear, segundo (QUINES, 1951)

1. Afunilando, dando um sinônimo com menor espectro de significados;
2. Melhorando a explicação;
3. Criando novos significados contextuais.

   O que caracteriza um sinônimo perfeito é a sua característica de interchangeabilidade (inventei essa palavra, talvez fosse melhor interaltabilidade... não sei), ou seja, capacidade que duas formas linguísticas tem de terem o mesmo valor, sem alterações, em qualquer contexto que sejam usadas (QUINES, 1951). Vejamos um exemplo prático para essa aplicação se é que isso é possível.


A. Todo e apenas os infelizes não são felizes
B. Necessariamente todos e apenas os infelizes são infelizes
C. Necessariamente todos e apenas os infelizes não são felizes.

   A frase B é verdadeira. Mas para dizer que a frase C é também verdadeira, devemos concluir que A é uma afirmação analítica e que Infeliz e Não feliz são sinônimos interchangíveis (inalteráveis), ou como denomina Quines (1951), sinônimos cognitivos. Essa categoria de sinônimo exige que a comparação analítica seja válida para a condição "se e somente se". Uma afirmação é analítica se ela for verdadeira e de acordo com as regras semânticas.
  É óbvio, também, que uma verdade geralmente depende de fatores linguísticos e extra linguísticos. A afirmação "Brutus matou César" seria falsa se o mundo tivesse sido diferente de alguma maneira, mas também seria falsa se a palavra "matou" tivesse outro sentido de trair. A afirmação então deve ser analisada através de um componente linguístico e um componente factual. (QUINES, 1951). E finalmente para jogar uma pá de cal nas afirmações analíticas: Uma fronteira entre afirmação analítica e sintética simplesmente não existe.

     Mudando de assunto, o reducionismo radical é aquele que prega que cada afirmação significativa é considerada traduzível em afirmação (verdadeira ou falsa) sobre uma experiência imediata. Reducionismo radial, de uma forma ou de outra, antecede a teoria da verificação. Locke e Hume sustentam que cada ideia precisa ser originada diretamente de uma experiência, ou composta por ideias também originadas pela experiência (QUINES, 1951).


    Ou seja, para uma afirmação ser verdadeira, ela analítica ou sintética (já vimos que a fronteira é muito tênue entre estas) precisa ter um sentido de experiência imediata para cada um dos seus termos, ou cada um destes pode ser analiticamente justificado por afirmações que (estas sim) foram fruto de experiencias imediatas. Neste caminho, o reducionismo radial acredita que tudo é empírico.
    Esses são os dois dogmas do empiricismo, as afirmações devem ser postadas de forma analítica ou sintética (se é que existe grande diferença) e são ligadas em algum graus à experiencias imediatas (reducionismo).
    Embora alguns pensadores como Carnap tenham quebrado o o reducionismo, ele é ainda utilizado pela grande maioria como Hume e Locke. Para Quines (1951) a ciência é dependente tanto da linguagem quando da experiência, pois ela é uma ferramenta que em ultima instancia antevê as experiências futuras baseado em experiências passadas.