Mais vistos

19 de out. de 2011

Investigações sobre o Entendimento Humano - Parte 2





    E pelo que me parece a maior contribuição de Hume (2006) foi a associação de ideias, pelo menos é o mais citado. Ele foge do racionalismo e usa o exemplo dos significados das palavras em línguas diversas para justificar seu pensamento sobre a influência das experiências. Entre os idiomas mais distintos, mesmo nos que não podemos ver a menor conexão ou comunicação, iremos verificar que as palavras que exprimem as ideias mais complexas são na maioria das vezes correspondentes entre si, o que seguramente prova que as ideias simples, compreendidas nas ideias complexas, foram ligadas por algum princípio universal que tinha igual influência sobre toda humanidade (HUME, 2006).
    Ou seja, existem ideias capturadas in natura que vieram a nós diretamente das experiencias pelos órgãos sensoriais e outras que se formaram através da associação delas. Para Hume (2006) há somente três princípios de conexão entre as ideias, que são: de semelhança, de contiguidade - no tempo e espaço - e de causa ou efeito. Entretanto, é difícil provar que essa enumeração seja completa e que não há outros princípios de associação.
   Para as relações de semelhança a explicação é simples, se hoje sou apresentado a uma maça sempre que ver tal forma me recordarei da ideia de maça, e mesmo que a original não esteja mais presente sou capaz de associar o conceito as formas que me parecem similares.
   Contiguidade aproxima as ideias por tempo ou por espaço. Embora o sol e o mar sejam coisas separadas e independentes é possível (e de fato acontece) que ao ver o sol em um dia quente e de céu limpo me venha a cabeça imediatamente o mar. É uma associação de lugar, pois, mar e sol compõem o cenário ideal de praia. Assim como pensar na sexta e lembrar do fim de semana é uma associação de tempo, já que os dias da semana são instancias independentes.
    Já a associação de causa é um assunto mais complexo, seria basicamente associar a ideia de fogo a ideia de calor e a ideia de queimadura. Mas quem disse que eles realmente são causa e efeito?


   Todos os objetos da razão e investigação humana podem, naturalmente, dividir-se em dois grupos, a saber: Relações de ideias e questões de fato à primeira classe pertencem as ciências da Geometria, Álgebra e Aritmética e, em resumo, toda afirmação que é intuitiva ou demonstrativamente verdadeira (HUME, 2006). As proposições da relação de ideias podem descobrir-se pela mera operação do pensamento, independentemente do que possa existir em qualquer parte do universo. Ainda que jamais tivesse havido um círculo ou um triângulo na natureza, as verdade demonstradas por Euclides conservariam sempre sua certeza e evidência. Bem vindo a realidade das verdades analíticas que nos jogam invariavelmente para uma caixa de pandora que se chama linguística.
   Não são averiguadas da mesma maneira as questões de fato, os segundos objetos da razão humana; nem nossa evidência de sua verdade, por muito grande que seja, é da mesma natureza que a precedente. O contrário de qualquer questão de fato é, em qualquer caso, possível, porque jamais pode implicar uma contradição, e é concebido pela mente com a mesma facilidade e distinção que se fora totalmente ajustado à realidade (HUME, 2006).
   Todos os nossos raciocínios a respeito de questões de fato parecem fundar-se na relação de causa e efeito. Tão só por meio desta relação podemos ir além da evidência de nossa memória e sentidos e todos os nossos raciocínios a respeito dos fatos são da mesma natureza. E neles se supõe constantemente que há uma conexão entre o fato presente e o que se infere dele. Se não tivesse nada que os unisse, a inferência seria totalmente precária (HUME, 2006).
   Nem após mil árvores nascerem após plantarmos mil sementes será impossível cravar a certeza desta relação de causa e efeito com base apenas em Hume (2006). E ele mesmo afirma que mesmo havendo conhecimento dessa associação de causa e efeito o efeito oposto de não nascer árvore alguma após plantar a semente é igualmente válido. Assim como o sol não nascer amanhã sempre será uma ideia tão válida quando a de ele nascer. E só para complicar mais, Hume (2006) diz que apenas observar a semente e inferir que nasceu uma árvore nada nos diz sobre a relação de causa e efeito, ela é apenas associativa no campo das ideias, ninguém sente as ações, apenas observa os fatos e nossa cabeça se encarrega de dar sentido aos acontecimentos. Por conseguinte, se quiséssemos chegar a uma conclusão satisfatória quanto à natureza daquela evidência que nos assegura das questões de fato, temo-nos de perguntar como chegamos ao conhecimento da causa e do efeito (HUME, 2006).
   Hume (2006) permite-se afirmar, como proposição geral que não admite exceção, que o conhecimento dessa relação em nenhum caso se atinge por raciocínios a priori, senão que surge inteiramente da experiência, quando encontramos que objetos particulares quaisquer estão constantemente unidos entre si. Ninguém se imagina que a explosão da pólvora ou a atração de um imã poderia descobrir-se por meio de argumentos a priori. Em vão, pois, tentaríamos determinar qualquer acontecimento singular, ou inferir qualquer causa ou efeito, sem a assistência da observação e da experiência.
   Se o parágrafo acima for verdade, eis que Descartes (2006) sai da ciência e entra para a literatura de ficção, e ele escreve muito bem!
   Mas nenhum objeto revela pelas qualidades que aparecem aos sentidos, nem as causas que o produziram, nem os efeitos que surgem dele, nem pode nossa razão, sem a assistência da experiência, sacar inferência alguma da existência real e das questões de fato (HUME, 2006). É por isso que os mágicos e ilusionistas confundem nossa cabeça tão facilmente, nós não vemos as relações, apenas vemos os fatos e julgamos ser conhecedores das causas e efeitos, quando em verdade não somos.
    Diante da incapacidade humana de compreender o universo Hume (2006) expressa que sem dúvida alguma, tem-se de aceitar que a natureza nos manteve à grande distância de todos os seus segredos e nos proporcionou só o conhecimento de algumas qualidades superficiais dos objetos enquanto nos oculta os poderes e princípios dos quais depende totalmente o influxo desses objetos.
    Hume (2006, p.56) diz: "Encontrei que a tal objeto correspondeu sempre tal efeito e prevejo que outros objetos, que em aparência são similares, serão companhados por efeitos similares. Aceitarei, se se deseja, que uma proposição pode corretamente inferie-se da outra. Sei que, de fato, sempre se infere. Mas se se faz questão de que a inferência é realizada por meio de uma corrente de raciocínios, desejo que se apresente aquele raciocínio. A conexão entre essas duas proposições não é intuitiva. Requer-se um meio-termo que permita à mente chegar a tal inferência, se efetivamente se atinge por meio de raciocínio e argumentação. O que esse meio-termo seja, devo confessá-lo, ultrapassa meu entendimento, e incumbe apresentá-lo a quem afirma que realmente existe e que é a origem de todas as nossas conclusões a respeito das questões de fato."
    Todos os raciocínios podem dividir-se em duas classes, a saber: o raciocínio demonstrativo ou aquele que concerne às relações de ideias e o raciocínio moral ou aquele que se refere às questões de fato e existenciais (HUME, 2006). Todos os argumentos a respeito da experiência se fundam na relação causa-efeito, que nosso conhecimento dessa relação deriva totalmente da experiência, e que todas as nossas conclusões experimentais se dão a partir do suposto de que o futuro será como foi o passado. Na realidade, todos os argumentos que se fundam na experiência estão baseados na semelhança que descobrimos entre objetos naturais, o que nos induz a esperar efeitos semelhantes aos que vimos seguir tais objetos.
   De causas que aprecem semelhantes esperamos efeitos semelhantes. Isso parece compendiar nossas conclusões experimentais. Pois bem, parece evidente que se esta conclusão fora formada pela razão, seria tão perfeita a princípio e num só caso, como depois de uma longa sucessão de experiências. Mas a realidade é muito diferente. Não há nada tão semelhante entre si como os ovos, mas ninguém, em virtude dessa aparente semelhança, aguarda o mesmo gosto e sabor de todos eles. Mas onde está o processo de raciocínio que, a partir de um caso, atinge uma conclusão muito diferente da que se inferiu de cem casos, em nenhum modo diferentes do primeiro? (HUME, 2006)
   Fica claro que Hume (2006) já observava que a natureza não é tão linear. Sua inquietação com a não replicabilidade das experiências é notória e ainda hoje é para qualquer ciência. É claro que muitos pensadores lidaram com essa questão e chegaram cada um com sua solução imperfeita, de fato, este é para mim o divisor de água metodológico: a forma de compreender a incerteza.

 

17 de out. de 2011

A pesquisa publicitária e a verdade analética (Atualizado)





                E por vezes me pergunto qual o objetivo de se escrever um artigo. Certamente me agradam mais os texto com os quais posso aprender, mas para isso, algo hão de me ensinar, e se posso aprender é porque neles verdades que não me eram conhecidas são apresentadas. Acreditar em tais verdades é o cerne de minha discussão. Há tempos homens discutem quais rigores são necessários para se postular ou não uma verdade, temo que por vezes qualquer esforço justificativo seja simplesmente negligenciado e fatos sejam solenemente substituídos por factóides. Não que seja possível cravar o rigor definitivo, mas certamente é possível afirmar quais rigores são frouxos o suficiente para não serem levados a sério.
                Tenho freqüentado congressos e lido artigos na área de publicidade e marco isso como objeto de análise. Tomo de empréstimo o slogan do INTERCOM Nacional 2011 “Quem tem medo da pesquisa empírica?” e reflito sobre o que é empirismo.
                A grande contribuição da escola empirista foi inverter o fluxo das ideias, que para os racionalistas essas deveriam vir de dentro para fora, e aos empiristas, em primeira instancia, de fora para dentro. Não se perde de todo o argumento de Descartes (2006) e da escola racionalista, algumas de suas considerações como a forma de combinar ideias e o onipresente método axiomático (de origem euclidiana) ainda são válidos e amplamente utilizados. É verdade que pensar em uma ciência livre das experiências não é digna de atenção. Nem mesmo se considerarmos experiências da mesma forma como Descartes (2006). O que a escola empírica fez não foi apenas o óbvio ululante de propor que as experiências de fato contribuem (e muito) para a formação de nossas ideias, eles, de fato, investigaram um pouco mais a fundo, e inclusive discutem como elas são organizadas, agrupadas, como o raciocínio participa do processo e como é possível ter idéias racionais (não puras).
                E sendo assim, desafio a quem possa me apresentar um artigo que não seja empírico. De fato tudo que tenho visto é empírico, mas isso não é uma crítica ao emprego da palavra empírica no slogan, é na verdade um exercício que farei agora para tentar entender qual a mensagem que foi passada. Me inquieta na verdade o que escutei de uma aluna a pouco tempo, que na impossibilidade de fazer uma pesquisa de campo me disse que faria um artigo teórico. Mas qual o real sentido desta divisão de mínima complexidade para entendimento, mas que talvez seja a resposta para a mensagem do slogan.
                Empírico como sinônimo de pesquisa de campo é realmente uma aplicação comum, assim como teórico para quando não há coleta de dados primários. O que realmente não é suficiente para classificar o texto como racional ou empírico, de fato texto racional não existe mais há tempos, e redundar que tudo é empírico é desnecessário. O meu questionamento é se em algum grau podemos afirmar que pesquisa de campo é uma ferramenta melhor do que simplesmente argumentar com base em terceiros.
                Não, não vejo o advento da pesquisa primária como divisor de trabalhos bons e ruins. De certo, nada me serve a perfeição nos cinco sentidos sem um cérebro apto a raciocinar. O que fatalmente faz com que alguém se destaque não é a qualidade de entrada dos dados, mas o processamento que os leva a uma saída improvável para os menos capazes. Entendo perfeitamente que se o slogan fosse “Quem tem medo de pensar” soaria ofensivo e desnecessário, mas real.
               Assim como um bom médico que clinica sob exames terceirizados, percebo que mentes brilhantes não precisam jamais ir a campo para chegar a conclusões verdadeiras. Mas eu falo dos brilhantes, e não da maioria. O problema notório é que em nossa tribo sobra quem queria pensar e falta quem queira trabalhar. Há muito se nota que para cada bom metodólogo existem vários que se dizem teóricos. E sim, também clamo por melhores pesquisas primárias, e de todo concordo com o nosso slogan.
                Pelé não faria nem 10 gols se não houvesse quem o servisse. O tempo de Galileu que pensava, colhia dados, analisava e interpretava já se foi. Vivo nos corredores de iniciação científica e pós-graduação desde que me entendo por estudante. E vejo que não há quem se dedique exclusivamente a coletar dados. Seria inimaginável uma medicina sem laboratório, e muito pior um laboratório sem biomédicos, mas o que vejo em nossa área é que somos cegos, surdos e mudos tateando no escuro em busca de algo tangível para analisarmos.
                Dos três erros possíveis (coleta, análise e interpretação) o mais grave certamente é o de coleta, pois nos obrigaria a refazer todo o estudo. E o menos grave é o de interpretação, pois, dentro de nossa humildade acadêmica aceitaríamos as críticas pertinentes e paulatinamente o trabalho seria melhorado. E para não errar na coleta é necessário rigor.
                Seja qual for a técnica utilizada para coleta de dados, todas elas possuem um rigor único, o dado deve ter qualidade para análise. É preciso ser muito seguro na escolha do método, conhecedor de todos os rigores. Vejo as técnicas de coleta de dados como um conjunto de ferramentas, a quem bata um parafuso com um martelo, mas o certo é usar a chave de fenda, ou estrela. A precisão de uma serra elétrica é sem dúvida maior de que um serrote, sabemos os custos e os riscos, mas jamais me digam que um carpinteiro do serrote está melhor equipado que uma fábrica de pré-moldados automatizada.
          Mas então, se em um mundo fictício nossos dados primários fossem extraídos com bastante malemolência, à revelia, e coisas como utilizar alunos de graduação e observação informal se fizessem regra e não uma triste exceção? Temo que nesse mundo irreal nem uma só palavra teórica deveria ser levada a sério. Não que de tudo fosse perdido, mas que separar o bom do ruim fosse tão trabalhoso que simplesmente recomeçar do zero se mostraria uma saída triunfal. Neste cenário de achismo intelectual uma grave constatação seria feita, nossa verdade é falsa. Até porque ser verdade não é ser real.

E se nada for verdade?
Duas proposições são coerentes quando ambas podem ser verdadeiras, e são incoerentes quando uma, pelo menos, deve ser falsa. Mas a fim de saber se duas proposições são ambas verdadeiras devemos conhecer verdades como a lei de contradição. (RUSSELL, 2005).
    Verdade e falsidade são dois lados da moeda mais utilizada em qualquer estudo. Mas sua definição é certamente de rara aparição, tomemos como conceitos já conhecidos por todos. O que de fato não são. A verdade objetiva ou subjetiva obedece a regras, que a tornam verdadeira, ou falsa.
 O conhecer é um verbo que não possui antônimo. Ou se conhece, ou não se conhece, mas uma vez que está conhecido, não há palavra para explanar um falso conhecimento, ao contrário da verdade, que em sua forma oposta se torna falsidade. Quando conhecemos uma pedra, pedra esta que é fruto do nosso conhecimento e só, entretanto poderemos pensar em verdades e falsidades sobre a pedra. Nosso objeto de estudo aqui é a verdade, e não o conhecimento.
Russell (2005) levanta então três pontos necessários para o entendimento da verdade:
1) A teoria da verdade deve ser tal que admita o seu oposto, a falsidade, visto que no caso do conhecimento direto não era necessário levar em conta o oposto.
2) De fato, a verdade e a falsidade são propriedades das crenças e dos enunciados; portanto, um mundo de pura matéria, dado que não conteria crenças nem enunciados, não conteria tampouco verde ou falsidade.
3) A verdade ou falsidade de uma crença sempre depende de alguma coisa externa à própria crença. Portanto, embora a verdade e a falsidade sejam propriedades das crenças, elas são propriedades que dependem das relações das crenças com outras coisas, não de alguma qualidade interna das crenças.
A verdade consiste em uma forma de correspondência entre a crença e o fato. (RUSSELL, 2005). Ela está externa as crenças, e de certa forma externa aos fatos também, é firme então na relação entre estes, sabe-se que realidade e verdade são coisas distintas, e o que as fazem correspondentes é o conceito de coerência.
É possível que, com suficiente imaginação, um romancista possa inventar um passado para o mundo que seja perfeitamente compatível com o que conhecemos e, não obstante, seja completamente diferente do passado real. Em muitas questões científicas é certo que existem frequentes duas ou mais hipóteses que explicam todos os fatos conhecidos sobre algum assunto, e embora em tais casos os cientistas tentem encontrar fatos que excluam todas as hipóteses exceto uma, não existe razão alguma para que sempre sejam bem sucedidos (RUSSELL, 2005).
Jamais haverá garantia de que conhecemos o mundo como ele realmente é, apenas podemos dizer que nossa verdade é compatível com o que dele percebemos. E para isso existe método.
Também na filosofia não parece incomum que duas hipóteses rivais sejam ambas capazes de explicar todos os fatos. A outra objeção a esta definição da verdade é que ela supõe que sabemos o significado de "coerência", enquanto que, na realidade, a "coerência" pressupõe a verdade das leis da lógica. Por estas duas razões, a coerência não pode ser aceita como algo que fornece o significado da verdade, embora seja frequentemente um importante teste da verdade depois que certa soma de verdade nos é conhecida (RUSSELL, 2005).
Sendo assim, o conceito que sustenta a verdade é a correspondência com o fato. Vamos mais fundo nessa afirmação de Russell (2005). Ele vincula verdade a crença. Não à justificação da crença, que é papel da epistemologia, mas a correspondência entre os fatos da crença. A mente ao propor uma crença qualquer não pode afirmar se esta é verdadeira ou falsa, mas ela pode afirmar que existem objetivos e relacionamentos presentes na crença. Por exemplo: Pedro acredita que Paulo ama Maria, neste exemplo temos quatro termos (A) Pedro, (B) Paulo, (C) Maria e (D) ama. Neste caso A julga B e C através de D. Sendo A o sujeito da ação de julgar e os demais objetos.
O que denominamos crença ou juízo não é outra coisa a não ser esta relação de acreditar ou julgar, que relaciona uma mente com várias coisas diferentes dela mesma. Um ato de crença ou de juízo é a ocorrência entre certos termos em um tempo determinado da relação de acreditar ou julgar. Em todo ato de juízo há uma mente que julga e os termos sobre os quais ele julga (RUSSELL, 2005).
 No nosso exemplo a mente A, julga que B, C e D existem e desta forma a crença torna-se verdadeira, se qualquer um não tiver sua existência comprovada (por método de pesquisa) a crença é falsa. Por exemplo, Pedro acredita que João ama Maria, ou Pedro acredita que Paulo odeia Maria, ou Pedro acredita que Paulo ama Ana. Em todos os exemplos há uma não existência de um dos objetos da crença original, o que a torna falsa.
Assim, uma crença é verdadeira quando ela corresponde a um determinado complexo associado, e falsa quando não corresponde. Admitamos, para maior clareza, que os objetos das crenças sejam dois termos e uma relação e que os termos sejam colocados numa certa ordem pelo "sentido" de acreditar. Então, se os dois termos naquela ordem são unidos num complexo pela relação, a crença é verdadeira; se não, ela é falsa (RUSSELL, 2005).
Lembremos, as crenças são fruto das mentes e dependem desta para sua existência (em nenhuma conexão com a realidade ou conhecimento), mas estas não dependem da mente para serem verdadeiras (dependem exclusivamente de fatores externos, da percepção nossa da realidade, e suas relações).
Como se pode ver, a mente não cria a verdade ou a falsidade. Ela cria as crenças, mas uma vez criadas, a mente não pode torná-las verdadeiras ou falsas, exceto no caso especial onde elas dizem respeito às coisas futuras que estão dentro do poder da pessoa acreditar, como tomar o trem. O que torna uma crença verdadeira é um fato, e este fato não envolve de modo algum (exceto em casos excepcionais) a mente da pessoa que tem a crença (RUSSELL, 2005).
E se a noção intuitiva de verdade como uma espécie de acordo entre a crença e uma instância exterior (fatos) for mantida, então podemos ter opiniões verdadeiras de cuja verdade não sabemos. Á primeira vista, essa situação é desconcertante, pois seria natural desejar que também fossem verdadeiras aquelas opiniões das quais temos certeza. Mas a certeza não é um critério indicativo de verdade (DUTRA, 2010).
E desapoiados dos dados primários, tudo que construímos são crenças e não verdades. E das crenças tudo pode ser afirmar, sobretudo que são falsas. E das verdades que foram construídas sobre dados de métodos sem rigor, não é justo que tomemos como falsos, porém nada mais são do que crenças. Mas se para todos os propósitos práticos algumas crenças publicitárias são tão mais fortes do que as verdades, devemos a tudo condenar?

A verdade analética da publicidade
            O conhecimento publicitário é construído sob o insumo que temos. Pesquisas com baixo ou nenhum rigor metodológico e diversas mentes com excelente capacidade para postar verdades (ainda que crenças). A característica particular desta área é justamente a forma como a academia aceita as crenças como verdades, e mais, como conhecimento. E confesso que alguns (poucos) artigos são tão bem escritos que mesmo sem sombra alguma de rigor na coleta de dados primários, me convencem que estou de fato em face ao correto. Vejamos entretanto quais são as formas de construção do conhecimento, podemos apontar pelo menos três tipos de conhecimento, e eles são: (OLIVA, 2011)
1. Saber fazer: É quando o conhecimento é usado com o sentido de saber como, de saber fazer (know how). O saber que possibilita a realização competente de algo é uma forma de conhecimento. Dispensa justificação por este ser adquirido (ou inato) sem necessidade de fundamentação. É livre à fundamentação teórica.
2.  Conhecimento por contato: Conhecer ter estado lá, de ter entrado em contato direto. Neste caso o objeto é diretamente apreendido, não há necessidade de mediação de qualquer processo de inferência ou de qualquer conhecimento da verdade, baseado nos sentidos. É nele que Russell (2005) acredita estar o maior grau de certeza do sujeito ao se construir crenças, ou proposições.
3. Conhecimento proposicional: É o conhecimento por descrição, e sobre ele se aplica a definição de conhecimento como crença verdadeira e justificada. (já deu pra notar que eles se embolam uns com os outros). Como o conhecimento proposicional resulta da relação entre uma pessoa e uma proposição verdadeira, saber em que consiste essa relação - em especial, saber que condições são necessários e suficientes para S saber que P - é o grande desafio da epistemologia.
       Sem maiores explicações eu acredito que o 1 e o 2 sejam pertinentes para qualquer área do conhecimento e logicamente que um publicitário que atua a tempos no mercado terá de fato um conhecimento privilegiado sobre esse. E pelo principio de 2, quem for 1 poderá transmitir de alguma forma o conhecimento, mas por tutoria, mentoria ou coaching. O fato é que se alguém escreve um livro ou um artigo, estamos falando de 3. Não considero uma sala de aula ambiente para 2, a não ser que o conhecimento em questão seja relativo a didática. Sendo assim, 3 é o predominante, enquanto que 1 é o mais respeitado. Dizer que quem tem 1 poderá disseminar 3 só é verdade se as normas de 3 forem observadas, e elas são basicamente e argumentação proposicional.
          Mas não é isso o que observo. Sem dúvida que uma pessoa respeitada na área tem liberdade para postar crenças como se fossem verdades e estas se tornam como tal para todos os propósitos práticos. Certa vez assistindo uma apresentação de alguém certamente influente entre os publicitários observei duas coisas, a primeira é que não houve nem sinal de rigor metodológico para coleta de dados primários, a segunda é que todos, inclusive eu, eram completamente incapazes de não concordar e não tomar aquelas crenças como verdades absolutas.
           Sem dúvida mérito da argumentação. Aproveitando o ritmo e sem cerimônia descrevo um método lógico que até então não se aplica as áreas que também estudei, mas certamente é a essência de publicidade, a argumentação analética. O conhecimento proposicional (que chamarei apenas de conhecimento daqui em diante) é construído sobre a capacidade de se justificar crenças, cada justificação bem sucedida leva o nome de verdade.
          A verdade pode ser justificada através de dois métodos, o analítico e o sintético. Há uma rachadura fundamental entre as verdades que são analíticas (fundamentadas nos significados independentemente dos fatos) e sintéticas (fundamentadas em fatos) (QUINES, 1951). Embora se possa afirmar que reduzindo-se qualquer argumento analítico acabaremos em uma premissa sintética, eu postulo uma separação mais clássica, basicamente sintético para experiências e analítico para significados que surgiram a partir destas experiências.
           Dizer que a chama queima após botar a mão no fogo é uma verdade sintética, mas se sei que algo tão quente quanto o fogo mesmo que não tenha chama também pode queimar, mesmo sem imaginar que objeto possa ser esse, é uma racionalização com mais força analítica que sintética. E esse tipo de verdade analítica é a que domina as pesquisas em publicidade. Mas com um detalhe... não é puramente analítica.
          Explico, por ser uma área bastante prática com abundancia de exemplos, é normal que ao se postular qualquer verdade analítica se utilizem exemplos que nos levam a experiência. Dizer que a coleta de dados seguir a conclusão não é habitual é desnecessário. O que é interessante é que esse dado primário não tem a menor função analítica!
         Em grande parte dos trabalhos, em verdade, ele é completamente desnecessário e surge como uma mera ilustração. Mas não sejamos tão levianos, é bastante plausível que o argumento tenha sido construído a partir da experiência do autor com a peça publicitária e que por alguma ou outra razão esse fato é omitido no registro textual e o que era verdade sintética torna-se analítica. E porque ele é omitido?
        Não acredito em descuido ou tentativa de se mostrar mais intelectual do que de fato é, meu palpite é que seja um estilo de justificativa de crenças próprio de publicidade. Vamos aos meus argumentos. Autores de publicidade estão em contato com objetos de pesquisa no seu dia-a-dia e não conseguem ao menos separar uma observação científica de registros despretensiosos de memória, afinal, a super exposição às diversas mídias já é material suficiente para análise. Seria hipocrisia reservar um método de observação científico para uma peça que se teve contato dezenas de vezes anteriormente.
        Mas isso não significa que encontramos uma verdade analítica. Ela é sintética, ou seria, já que não houve método rigoroso. Nem ao menos poderemos chamar de método esse conjunto de experiências diárias sem nenhum rigor científico. Então de fato o que há é uma formação de idéias a partir de experiências e para justificar essa idéia apóia-se a um suporte teórico, mas para aceitação acadêmica ela surge como analítica. Sendo assim, uma falsa analítica.
          Chamo então de analética, ou falsa analítica, pois na verdade sua gênese é sintética. E se não há rigor científico, somos convencidos pela argumentação analítica. É o que acontece com a maioria dos artigos que mesmo sem o menor rigor na extração dos dados primários me convencem de que suas verdades não necessitam de mais esclarecimentos, mesmo que às vezes se assemelhe mais a uma epifania que a um estudo científico.
          Acredito então que a maior parte das pesquisas em publicidade são de fato empíricas. Não se deve confundir a argumentação analética com a falta total de rigor. Ela deve ter o mesmo rigor que qualquer justificação analítica e o conjunto de verdades analéticas em publicidade constroem o conhecimento da área. Fica claro que minha preocupação neste texto era de apresentar a solução da justificação analética que observo como já predominante em publicidade. Não pretendo propor método (ou técnica) de pesquisa, pois isto só será possível após a maturação do conceito de verdade analética.


Conhecimento inferencial
           O rigor do método analético é algo que investigarei em um futuro conveniente. Até o momento o que temos são inferências que ocorrem, como já disse, despretensiosamente.  Existem duas formas de se chegar a um conhecimento. Através das construções lógicas ( verdade analítica), ou através de inferência (sintética). Em comparação, a inferência é o processo mais simples de conhecimento, já que através da lógica necessitamos de um certo esforço intelectual. Inferência é conhecimento de algo unicamente pelo sentido e pelo nosso julgamento.
      Quando consideramos uma inferência do ponto de vista psicológico, o que está em questão é o conteúdo das proposições envolvidas, seus significados, e não a forma lógica do argumento que resulta em colocar tais proposições em relação, que é a preocupação da lógica. Inferir um objeto a partir de outro é então supor que certos dados ou informações testemunham a existência do objeto inferido (DUTRA, 2010).
         Quando vemos um carro na rua e tomamos conhecimento dele como tal, realizamos um processo de inferência. Simples assim. Para toda e qualquer pergunta de pesquisa (simples) teremos uma resposta baseada em conhecimento inferencial. Sempre acharemos uma resposta pronta em nossa cabeça que consideramos verdade ou com grande probabilidade de ser real. Daí um motivo para o quase infindável processo de se propor algo inédito no doutorado, é impossível pensar em algo que não se conhece.
         Como nossas inferências podem estar erradas, obviamente, desejamos ter segurança em fazê-la. Isso tem relação com a necessidade de um critério para avaliarmos nossas inferências. Em geral, nossas inferências da vida real são aquelas que se apresentam como "a melhor explicação" (DUTRA, 2010).
         Neste caso, estamos tomando a inferência como o processo pelo qual passamos de certo objeto de conhecimento para outro, independente de se tratar de uma boa ou de uma má inferência. Fazer uma inferência é presumir a existência de um objeto a partir de poucas informações (DUTRA, 2010).
         Daí então perceber em uma peça publicitária alguma característica que depois se tornará seu objeto de estudo é inferencial. Minha ressalva é que esse processo não e consciente, ou pelo menos seu início não o é. Como dito, os pesquisadores publicitários estão inferindo dia e noite em frente a televisão, ao computador ou simplesmente caminhando na rua.
       Em primeira instância descarto essa prática como método científico portador de rigor, mas não a descarto como possibilidade científica. Certamente essas crenças que surgem dos ensaios publicitários são tão convincentes que por vezes desafiado a negar sua veracidade analiticamante, me sinto incapaz. Demonstrando outra característica da analética. Por mais que sua argumentação se mostre racional seu cerne é empírico e só por este método é capaz de contra argumentá-la.
        Por tempos essa lógica persiste, não há necessidade de distanciamento da publicidade as ciências duras para justificar tamanha inovação epistemológica. Creio que em ambos os campos existam o mesmo universo de possibilidades, não adentrarei neste esforço racional que me tomaria outro texto de mesmo tamanho ou maior, mas com certa dose de certeza pessoal acredito que a analética não é exclusiva de publicidade, e se nela pude observar é devido a minha proximidade com o campo e a vivencia entre os pesquisadores. 

7 de out. de 2011

Investigações sobre o Entendimento Humano - Parte 1


    David Hume é o mais influente autor da escola empirista britânica (DUTRA, 2010). Meu desafio atual é fichar seu livro "Investigação sobre o Entendimento Humano" de 1751. A versão original eu não tive acesso, e imagino que o inglês desse período não seja para o meu bico. Andei lendo alguns textos portugueses deste século e descobri que não dá pra entender nada, logo, deduzo que é melhor procurar uma tradução um tanto mais recente. Encontrei a da editora Escala, confesso que não gostei muito da tradução, é rebuscada demais e se torna mais uma coisa para interpretar, como se já não fossem complicadas por si só as ideias de Hume. Enfim, essa foi a versão adotada de 2003.
    Na primeira parte do livro (seção 1) "Das diferentes classes de filosofia" o debate me parece mais um desabafo, uma justificação de sua forma de vida. É então uma argumentação em favor da ciência moderna que estava nascendo contra a metafísica. Por metafísica entende-se a total rejeição de todo raciocínio profundo (HUME, 2003). Definição clara e precisa.
   Para HUME (2003) a ciência da natureza humana pode ser tratada de duas formas diferentes:

   1.  A primeira trata o homem como nascido principalmente para a ação e como influenciado em suas medidas por gosto e sentimentos, procurando um objetivo, e evitando outro, de acordo com o valor que esses objetivos parecem possuir, e de acordo com a luz em que eles se apresentam. Trocando em miúdos: metafísica, o saber pela experiência (mas sem razão), basicamente sentimental, em sua forma mais pura as pessoas acreditam e conhecem as coisas de acordo com a importância que dão pra elas, se aproximando pela vivencia. É o saber da maioria das pessoas, excluindo-se aqui os que se interessam por filosofia e ciências.
   2. A outra espécia de filósofos considera que o homem se guia mais à luz da razão em vez da ação, e busca para formar seu entendimento em vez de lhe aperfeiçoar os costumes. Eles consideram a natureza humana como tema de especulação; examinam-na com rigoroso cuidado a fim de encontrar os princípios que regulam nossa compreensão, excitam nossos sentimentos e nos fazem aprovar ou condenar qualquer objeto, ação, ou comportamento particular.

    Em tom de desabafo: É certo que a filosofia fácil e óbvia terá sempre a preferência dos homens sobre a filosofia exata e abstrusa; e por muitos será recomendada, não só como mais agradável, mas mais útil. Já que o filósofo puro é um personagem comumente pouco aceito no mundo, pois inicialmente se supões que ele não contribui em nada para o benefício ou para o prazer da sociedade, já que vive afastado de toda comunicação com os homens e envolvido em princípios e noções igualmente remotas à sua compreensão. Por outro lado, o ignorante puro é ainda mais desprezado, já que em uma época em que florescem as ciências, não há sinal mais clado de estreiteza de espírito do que não se interessar por esses nobres entendimentos. (HUME, 2003).
   Hume (2003) argumenta que a ciência possui uma considerável vantagem sobre a metafísica (filosofia fácil e humana), pois sem ela, nunca poderia-se alcançar grau suficiente de exatidão nos sentimentos, preceitos ou raciocínios. Até os artistas (livres da filosofia da ciência) devem ter conhecimentos científicos em suas obras para conseguirem expressar seus sentimentos, se não for dessa forma, impossível dar a tonalidade certa a cada músculo, coisa ou expressão, tudo obtido através de pesquisa científica (racional ou empírica).
   Por mais árdua que se apresente essa pesquisa ou investigação interna, ela se torna, em determinada medida, indispensável aos que quiserem descrever com sucesso as aparências óbvias e exteriores de vida e maneiras (HUME, 2003).
   O caminho mais doce e inofensivo da vida passa pelas avenidas da ciência e do saber; e, quem quer que possa remover quaisquer obstáculos desta via ou abrir uma nova perspectiva, deve ser consedierado um benfeitor da humanidade. Embora essas pesquisas possam parecer árduas e fatigantes, ocorre aqui como certos espíritos ou com certos corpos que, por estarem dotados de grande vitalidade, necessitam de exercícios severos e colhem prazer naquilo que, para a maioria dos homens, parece penoso e laborioso. A obscuridade é, de fato, penosa tanto para o espírito como para os olhos; todavia, trazer luz da obscuridade, por mais trabalhoso que seja, deve ser agradável e reconfortante. (HUME, 2003).
   O posicionamento de Hume (2003) então é a favor da ciência, da filosofia e sobretudo da lógica, para ele o raciocínio exato e justo (matemático) é o único remédio universal adequado a todas as pessoas e aptidões, o único capaz de destruir a filosofia abstrusa e o jargão metafísico que, mesclados com a superstição popular, se tornam, por assim dizer, impenetráveis aos pensadores descuidados e se afiguram como ciência e sabedoria.
   Como exemplo a favor da ideia de que a filosofia da ciência é o melhor caminho ao entendimento humano, Hume (2003) diz que os astrônomos se contentaram por muito tempo em provar, com base em fenômenos, o movimento verdadeiro, a ordem e a grandeza dos corpos celestes até que surgiu um filósofo que, munido de um raciocínio certeiro, parece haver determinado também as leis e forças que dirigem e governam os movimentos dos planetas. E não há razão para temer que não tenhamos o mesmo êxito em nossas investigações sobre a organização e as faculdades mentais, quando feitas com igual aptidão e atenção.
   E o argumento final lembra em muito a insegurança de Descartes (2006) também nas primeiras linhas de seu texto, Hume (2003) diz que o fato dos raciocínios sobre a natureza humana serem abstratos e de difícil entendimento não induz a nenhuma pressuposição de falsidade, pelo contrário, é improvável que o que tem fugido aos filósofos e sábios seja muito fácil e evidente.
  Belo discurso contra a metafísica.  

5 de out. de 2011

Empirismo


    O empirismo foi uma importantíssima escola filosófica que consolidou uma nova forma de se pensar o mundo, em relação ao continente. Digo isso, pois, os principais autores são da ilha britânica. John Locke, David Hume e George Berkeley. Minha lembrança mais forte dos empiristas vem com Francis Bacon, o qual, segundo meus professores, abria a boca de cavalos para contar os dentes... Descobri posteriormente que não é Bacon, mas Hume o principal autor, que é o que apresenta uma primeira doutrina epistemológica falibilista (DUTRA, 2010).
   O autor que realmente marcou profundamente a história da epistemologia moderna foi Hume. Ainda que haja talvez certo exagero de Kant em dizer que foi Hume que o despertou de seu sono dogmático, Hume é o empirista que lançou o maior desafio para a epistemologia como um empreendimento que visava à fundamentação do conhecimento empírico em geral, inclusive aquele que encontramos nas ciências da natureza. (DUTRA, 2010).
   O desafio empirista retoma a linha de argumentação da tradição britânica que antecedeu os empiristas modernos do período entre Locke e Hume, isto é, os nominalistas medievais, que eram críticos do realismo platônico. Essa crítica se estendeu a toda metafísica e à ciência aristotélica com Francis Bacon (o do cavalo)(DUTRA, 2010).
   E Hume é, de fato, um autor de fundamental importância nesse processo. Ele não apenas desafiou o dogmatismo continental, mas também os próprios objetivos do empirismo, aqueles de fundamentar o conhecimento na experiência e nas capacidades do entendimento humano.(DUTRA, 2010).
   Alguns modelos de intelecto foram adotados pelos autores empiristas. Os principais segundo Dutra (2010):

   1- Hobbes que descreveu o conhecimento como um processo iniciado fora do organismo humano, pela ação causal dos objetos fora de nós sobre nossos órgãos dos sentidos, e explicava a continuação desse processo, dentro do organismo, por meio da determinados mecanismos, inclusive o papel desempenhado pela linguagem.
   2- Hume que se concentrou nos mecanismos (princípios) que permitem a aquisição de ideias e as relações entre elas. (falarei muito mais sobre ele em um tópico exclusivo, quando tiver tempo).
   3- Locke que assim como Hobbes, levava a linguagem em consideração, e assim como Hume visava à descrição dos mecanismos mentais que permitem adquirir ideias e combiná-las. Um dos pontos principais do pensamento epistemológico de Locke é a crítica à doutrina das ideias inatas de Descartes, em particular, às ideias metafísicas, como "substância", "essência" etc., inclusive a ideia de Deus. O objetivo geral de Locke era mostrar que todas as nossas ideias têm origem na experiência, e que o entendimento possui meios pelos quais pode combiná-las. Para Locke, temos ideias provindas da sensação, isto é, o sentido externo, que nos coloca em relação com as coisas externas a nós. Mas temos também ideias provindas da reflexão, que é o sentido interno, por meio do qual temos percepções de nossos próprios processos mentais.

   A grande sacada da escola empirista foi inverter o fluxo das ideias, sendo que para os racionalistas essas deveriam vir de dentro para fora, e aos empiristas, em primeira instancia, de fora para dentro. Não se perde de todo o argumento de Descartes (2006), algumas de suas considerações como a forma de combinar ideias e o onipresente método axiomático (de origem euclidiana) ainda são válidos e amplamente utilizados. É verdade que pensar em uma ciência livre das experiências não é digna de atenção. Nem mesmo se considerarmos experiências da mesma forma como Descartes (2006). O que a escola empírica fez não foi apenas o óbvio ululante de propor que as experiências de fato contribuem (e muito) para a formação de nossas ideias, eles, de fato, investigaram um pouco mais a fundo, e inclusive discutem como elas são organizadas, agrupadas, como o raciocínio participa do processo, como é possível ter idéias racionais (não puras) e o mais importante, Hume desafia nossa capacidade de entendimento do mundo quando afirma que o Hábito nos cega a verdade dos fatos e que não só somos influenciados pela experiência, quanto muitas vezes produzimos conhecimento sem ao menos nos darmos conta do processo. Eu me identifiquei bastante com esses autores, embora..., gostaria de propor uma inclusão epistemológica que fará um salto de 400 anos... uma tese já surge em minha cabeça e nela ficará até que eu mesmo a destrua ou me convença que é forte o suficiente para ser divulgada.
   Falei de ideia, mas não defini o termo. Para Locke, ideia é tudo aquilo que está presente no entendimento. Para Hume, ao contrário, as ideias são cópias de impressões. O termo mais geral empregado por Hume é "percepção". Nossas percepções se dividem, segundo ele, em impressões e ideias, e as primeiras são as mais fortes ou vivazes; as segundas, as menos vivazes ou mais fracas. As ideias são mais "fracas" porque são cópias de impressões. O mais importante no modelo de Hume são as formas pelas quais combinamos nossas ideias. Segundo ele, são três os princípios de associação de ideias: (DUTRA, 2010).

   1. Semelhança;
   2. Contiguidade (de tempo ou de lugar); e
   3. Causa e efeito.

  Semelhança é literal, lembro de algo quando já tinha visto algo semelhante antes. Contiguidade é o fato de lembrar de coisas porque associo que aconteceram em sequencia cronológica ou simplesmente por terem ocupado o mesmo espaço ou lugares vizinhos. Já causa e efeito levará algum tempo para explicar. Deixarei essa parte mais saborosa da teoria para o post que traz o fichamento do livro Investigação sobre o entendimento humano.



4 de out. de 2011

Descartes: O Discurso do Método


     René Descartes, o grande mestre de metodologia dos tempos modernos tem na obra O Discurso do Método seu ponta pé inicial. Ler o Discurso é mesmo que ler Paulo Coelho em fluidez (não em profundidade) não sei se apenas na tradução, mas o texto é muito bom e lê-se de um fôlego só. Não é bem um livro de método, é um diário de uma mente turbulenta, diversos pensamentos e uma personalidade tímida, defensiva que antes de postar qualquer afirmação gasta linhas e linhas se justificando e por fim quase sempre morre no argumento de que são apenas pensamentos pessoais e que ninguém é obrigado a seguir ou gostar.
     Eu confesso que peguei um livro clássico esperando uma aula (no pior sentido da palavra), mas me deparei com um relato onde ele confessa não gostar de escrever livros, se isolou por 8 anos das pessoas conhecidas, viajando pelo mundo, e residindo certo tempo completamente solitário em uma Alemanha em guerra (isso na época dos impérios!!!). E qual era o objetivo dele? Criar um método para aprimorar a medicina. Mas qualquer pessoa que passa 8 anos (ele fala em 9 também, não sei qual é o certo) inventando um método que ninguém havia pensado antes já merece atenção.
    Primeiro aspecto, Descartes (2006) ignora o exterior e busca solução para tudo em seu interior, no que chamamos hoje de razão mas que para ele era a alma. E assim inicia-se o livro: Inexiste no mundo coisa mais bem distribuída que o bom senso, visto que cada indivíduo acredita ser tão bem provido dele que mesmo os mais difíceis de satisfazer em qualquer outro aspecto não costumam desejar possuí-lo mais do que já possuem. É justamente o que é denominado bom senso ou razão, é igual em todos os homens; e, assim sendo, de que a diversidade de nossas opiniões não se origina do fato de serem alguns mais racionais que outros, mas apenas de dirigirmos nossos pensamentos por caminhos diferentes e não considerarmos as mesmas coisas. (DESCARTES, 2006).
    Esse primeiro argumento na minha forma de pensar já isenta o método de parâmetros e compromete bastante. Mas continuemos com Descartes (2006) na desconstrução: Porém, havendo aprendido, desde a escola, que nada se poderia imaginar tão estranho e tão pouco acreditável que algum dos filósofos já não houvesse dito; e depois, ao viajar, tendo reconhecido que todos os que possuem sentimentos muito contrários aos nossos nem por isso são bárbaros ou selvagens, mas que muitos utilizam, tanto ou mais do que nós, a razão; e, havendo considerado quanto um mesmo homem, como seu espírito, sendo criado desde a infância entre franceses ou alemães, torna-se diferente do que seria se vivesse sempre entre chineses ou canibais; e como, até nas modas de nossos trajes, a mesma coisa que nos agradou há dez anos, e que talvez nos agrade ainda antes de decorridos outros dez, nos parece agora extravagante e ridícula, de forma que são bem mais o costume e o exemplo que nos convencem do que qualquer conhecimento correto e que, apesar disso, a pluralidade das vozes não é prova que valha algo para as verdade um pouco difíceis de descobrir, por ser bastante mais provável que um único homem as tenha encontrado do que todo um povo: eu não podia escolher ninguém cujas opiniões me  parecessem dever ser preferidas às de outros, e achava-me como coagido a tentar eu próprio dirigir-me. (DESCARTES 2006).
    Então Descartes (2006) ignora todas as regras da lógica vigentes e assume apenas quatro leis que ele mesmo cria e que ele seguirá a risca:

    1. Nunca aceitar algo como verdadeiro que não se conhecesse claramente como tal;
    2. Repartir cada uma das dificuldades em tantas parcelas quantas fossem possíveis e necessárias a fim de solucioná-las;
    3. Conduzir por ordem os pensamentos, iniciando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para elevar-se, pouco a pouco, como galgando degraus, até o conhecimento dos mais compostos;
    4. Efetuar em toda parte relações metódicas tão completas e revisões tão gerais nas quais se tivesse a certeza de nada omitir.

   Então, a priori, Descartes (2006) duvidava de tudo, até que através de seu método, fosse comprovado que tal afirmação era verdadeira. Mas ele não se considerava cético, pois para ele os céticos duvidavam apenas por duvidar, fingindo serem sempre indecisos. Sobre os sentidos, o racionalismo considera que estes são falhos e nos enganam, desta forma, nada pode ser atribuído como verdade a partir exclusivamente deles. (DESCARTES, 2006).
   Sendo assim, a primeira afirmação que Descartes (2006) buscou confirmação (cogito) era de sua própria existência. Caso ele não conseguisse provar por seu método que de fato ele existia... bom, esse livro nem teria sido publicado e você não estaria lendo isso agora. Enfim, um parágrafo sem destaque algum no texto, mas que tornou-se o mais famoso, e como eu costumo enfatizar, fica doce na boca de quem não sabe absolutamente nada de racionalismo:
   E, enfim, considerando que quaisquer pensamentos que nos ocorram quando estamos acordados nos podem também ocorrer enquanto dormimos, sem que exista nenhum, nesse caso, que seja correto, decidi fazer de conta que todas as coisas que até então haviam entrado no meu espírito não eram mais corretas do que as ilusões de meus sonhos. Porém, logo em seguida, percebi que, ao mesmo tempo que eu queria pensar que tudo era falso, fazia-se necessário que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, ao notar ue esta verdade: eu penso, logo existo, era tão sólida e tão correta que as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de lhe causar abalo, julguei que podia considerá-la, sem escrúpulo algum, o primeiro princípio da filosofia que eu procurava. (DESCARTES, 2006).
   Daí em diante o livro começa a demonstra diversas meditações, nenhuma tão gloriosa quanto a primeira. Grande destaque é dado a medicina, como já falei, e algumas afirmações sobre circulação sanguínea. E assim como a geometria decompõe tudo em partes menores e conhecidas a fim de facilitar o entendimento e manuseio, Descartes fez o mesmo com os pensamentos, e os classificou (DUTRA, 2010):

    1. Ideias adventícias: aquelas que povêm dos sentidos;
    2. Ideias factícias: aquelas que nós mesmos produzimos a partir de outras ideias; e
    3. Ideias inatas: aquelas colocadas por Deus em nós e que estão, portanto, no entendimento humano antes de toda e qualquer experiência.

   É um método. Uma incorporação da matemática à filosofia. Incompleto e obviamente em desuso, mas com infinita contribuição para os estudos modernos. O legal é que Descartes (2006) não apresenta um algoritmo se quer, não recorre a uma conta, nem ao menos gráficos. Ele simplesmente utiliza a lógica de Euclides como fonte de suas reflexões metodológicas. Eu absolvo então Descartes de tudo de ruim que meu professor de metodologia falou dele (sem, obviamente, nunca ter lido um original), nem ao menos evidências empíricas o coitado aceitava, quanto mais utilizar cálculos... Que ele é a base para os estudos quantitativos eu concordo, assim como concordo que ele é muito mais base para os qualitativos, e ainda aceito a provocação de que nem mesmo os chamados pós-modernistas estão livres de Descartes. Entrarei nessa discussão novamente quando estiver estudando os interpretativistas.