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4 de out. de 2011
Descartes: O Discurso do Método
René Descartes, o grande mestre de metodologia dos tempos modernos tem na obra O Discurso do Método seu ponta pé inicial. Ler o Discurso é mesmo que ler Paulo Coelho em fluidez (não em profundidade) não sei se apenas na tradução, mas o texto é muito bom e lê-se de um fôlego só. Não é bem um livro de método, é um diário de uma mente turbulenta, diversos pensamentos e uma personalidade tímida, defensiva que antes de postar qualquer afirmação gasta linhas e linhas se justificando e por fim quase sempre morre no argumento de que são apenas pensamentos pessoais e que ninguém é obrigado a seguir ou gostar.
Eu confesso que peguei um livro clássico esperando uma aula (no pior sentido da palavra), mas me deparei com um relato onde ele confessa não gostar de escrever livros, se isolou por 8 anos das pessoas conhecidas, viajando pelo mundo, e residindo certo tempo completamente solitário em uma Alemanha em guerra (isso na época dos impérios!!!). E qual era o objetivo dele? Criar um método para aprimorar a medicina. Mas qualquer pessoa que passa 8 anos (ele fala em 9 também, não sei qual é o certo) inventando um método que ninguém havia pensado antes já merece atenção.
Primeiro aspecto, Descartes (2006) ignora o exterior e busca solução para tudo em seu interior, no que chamamos hoje de razão mas que para ele era a alma. E assim inicia-se o livro: Inexiste no mundo coisa mais bem distribuída que o bom senso, visto que cada indivíduo acredita ser tão bem provido dele que mesmo os mais difíceis de satisfazer em qualquer outro aspecto não costumam desejar possuí-lo mais do que já possuem. É justamente o que é denominado bom senso ou razão, é igual em todos os homens; e, assim sendo, de que a diversidade de nossas opiniões não se origina do fato de serem alguns mais racionais que outros, mas apenas de dirigirmos nossos pensamentos por caminhos diferentes e não considerarmos as mesmas coisas. (DESCARTES, 2006).
Esse primeiro argumento na minha forma de pensar já isenta o método de parâmetros e compromete bastante. Mas continuemos com Descartes (2006) na desconstrução: Porém, havendo aprendido, desde a escola, que nada se poderia imaginar tão estranho e tão pouco acreditável que algum dos filósofos já não houvesse dito; e depois, ao viajar, tendo reconhecido que todos os que possuem sentimentos muito contrários aos nossos nem por isso são bárbaros ou selvagens, mas que muitos utilizam, tanto ou mais do que nós, a razão; e, havendo considerado quanto um mesmo homem, como seu espírito, sendo criado desde a infância entre franceses ou alemães, torna-se diferente do que seria se vivesse sempre entre chineses ou canibais; e como, até nas modas de nossos trajes, a mesma coisa que nos agradou há dez anos, e que talvez nos agrade ainda antes de decorridos outros dez, nos parece agora extravagante e ridícula, de forma que são bem mais o costume e o exemplo que nos convencem do que qualquer conhecimento correto e que, apesar disso, a pluralidade das vozes não é prova que valha algo para as verdade um pouco difíceis de descobrir, por ser bastante mais provável que um único homem as tenha encontrado do que todo um povo: eu não podia escolher ninguém cujas opiniões me parecessem dever ser preferidas às de outros, e achava-me como coagido a tentar eu próprio dirigir-me. (DESCARTES 2006).
Então Descartes (2006) ignora todas as regras da lógica vigentes e assume apenas quatro leis que ele mesmo cria e que ele seguirá a risca:
1. Nunca aceitar algo como verdadeiro que não se conhecesse claramente como tal;
2. Repartir cada uma das dificuldades em tantas parcelas quantas fossem possíveis e necessárias a fim de solucioná-las;
3. Conduzir por ordem os pensamentos, iniciando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para elevar-se, pouco a pouco, como galgando degraus, até o conhecimento dos mais compostos;
4. Efetuar em toda parte relações metódicas tão completas e revisões tão gerais nas quais se tivesse a certeza de nada omitir.
Então, a priori, Descartes (2006) duvidava de tudo, até que através de seu método, fosse comprovado que tal afirmação era verdadeira. Mas ele não se considerava cético, pois para ele os céticos duvidavam apenas por duvidar, fingindo serem sempre indecisos. Sobre os sentidos, o racionalismo considera que estes são falhos e nos enganam, desta forma, nada pode ser atribuído como verdade a partir exclusivamente deles. (DESCARTES, 2006).
Sendo assim, a primeira afirmação que Descartes (2006) buscou confirmação (cogito) era de sua própria existência. Caso ele não conseguisse provar por seu método que de fato ele existia... bom, esse livro nem teria sido publicado e você não estaria lendo isso agora. Enfim, um parágrafo sem destaque algum no texto, mas que tornou-se o mais famoso, e como eu costumo enfatizar, fica doce na boca de quem não sabe absolutamente nada de racionalismo:
E, enfim, considerando que quaisquer pensamentos que nos ocorram quando estamos acordados nos podem também ocorrer enquanto dormimos, sem que exista nenhum, nesse caso, que seja correto, decidi fazer de conta que todas as coisas que até então haviam entrado no meu espírito não eram mais corretas do que as ilusões de meus sonhos. Porém, logo em seguida, percebi que, ao mesmo tempo que eu queria pensar que tudo era falso, fazia-se necessário que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, ao notar ue esta verdade: eu penso, logo existo, era tão sólida e tão correta que as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de lhe causar abalo, julguei que podia considerá-la, sem escrúpulo algum, o primeiro princípio da filosofia que eu procurava. (DESCARTES, 2006).
Daí em diante o livro começa a demonstra diversas meditações, nenhuma tão gloriosa quanto a primeira. Grande destaque é dado a medicina, como já falei, e algumas afirmações sobre circulação sanguínea. E assim como a geometria decompõe tudo em partes menores e conhecidas a fim de facilitar o entendimento e manuseio, Descartes fez o mesmo com os pensamentos, e os classificou (DUTRA, 2010):
1. Ideias adventícias: aquelas que povêm dos sentidos;
2. Ideias factícias: aquelas que nós mesmos produzimos a partir de outras ideias; e
3. Ideias inatas: aquelas colocadas por Deus em nós e que estão, portanto, no entendimento humano antes de toda e qualquer experiência.
É um método. Uma incorporação da matemática à filosofia. Incompleto e obviamente em desuso, mas com infinita contribuição para os estudos modernos. O legal é que Descartes (2006) não apresenta um algoritmo se quer, não recorre a uma conta, nem ao menos gráficos. Ele simplesmente utiliza a lógica de Euclides como fonte de suas reflexões metodológicas. Eu absolvo então Descartes de tudo de ruim que meu professor de metodologia falou dele (sem, obviamente, nunca ter lido um original), nem ao menos evidências empíricas o coitado aceitava, quanto mais utilizar cálculos... Que ele é a base para os estudos quantitativos eu concordo, assim como concordo que ele é muito mais base para os qualitativos, e ainda aceito a provocação de que nem mesmo os chamados pós-modernistas estão livres de Descartes. Entrarei nessa discussão novamente quando estiver estudando os interpretativistas.
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