E pelo que me parece a maior contribuição de Hume (2006) foi a associação de ideias, pelo menos é o mais citado. Ele foge do racionalismo e usa o exemplo dos significados das palavras em línguas diversas para justificar seu pensamento sobre a influência das experiências. Entre os idiomas mais distintos, mesmo nos que não podemos ver a menor conexão ou comunicação, iremos verificar que as palavras que exprimem as ideias mais complexas são na maioria das vezes correspondentes entre si, o que seguramente prova que as ideias simples, compreendidas nas ideias complexas, foram ligadas por algum princípio universal que tinha igual influência sobre toda humanidade (HUME, 2006).
Ou seja, existem ideias capturadas in natura que vieram a nós diretamente das experiencias pelos órgãos sensoriais e outras que se formaram através da associação delas. Para Hume (2006) há somente três princípios de conexão entre as ideias, que são: de semelhança, de contiguidade - no tempo e espaço - e de causa ou efeito. Entretanto, é difícil provar que essa enumeração seja completa e que não há outros princípios de associação.
Para as relações de semelhança a explicação é simples, se hoje sou apresentado a uma maça sempre que ver tal forma me recordarei da ideia de maça, e mesmo que a original não esteja mais presente sou capaz de associar o conceito as formas que me parecem similares.
Contiguidade aproxima as ideias por tempo ou por espaço. Embora o sol e o mar sejam coisas separadas e independentes é possível (e de fato acontece) que ao ver o sol em um dia quente e de céu limpo me venha a cabeça imediatamente o mar. É uma associação de lugar, pois, mar e sol compõem o cenário ideal de praia. Assim como pensar na sexta e lembrar do fim de semana é uma associação de tempo, já que os dias da semana são instancias independentes.
Já a associação de causa é um assunto mais complexo, seria basicamente associar a ideia de fogo a ideia de calor e a ideia de queimadura. Mas quem disse que eles realmente são causa e efeito?
Todos os objetos da razão e investigação humana podem, naturalmente, dividir-se em dois grupos, a saber: Relações de ideias e questões de fato à primeira classe pertencem as ciências da Geometria, Álgebra e Aritmética e, em resumo, toda afirmação que é intuitiva ou demonstrativamente verdadeira (HUME, 2006). As proposições da relação de ideias podem descobrir-se pela mera operação do pensamento, independentemente do que possa existir em qualquer parte do universo. Ainda que jamais tivesse havido um círculo ou um triângulo na natureza, as verdade demonstradas por Euclides conservariam sempre sua certeza e evidência. Bem vindo a realidade das verdades analíticas que nos jogam invariavelmente para uma caixa de pandora que se chama linguística.
Não são averiguadas da mesma maneira as questões de fato, os segundos objetos da razão humana; nem nossa evidência de sua verdade, por muito grande que seja, é da mesma natureza que a precedente. O contrário de qualquer questão de fato é, em qualquer caso, possível, porque jamais pode implicar uma contradição, e é concebido pela mente com a mesma facilidade e distinção que se fora totalmente ajustado à realidade (HUME, 2006).
Todos os nossos raciocínios a respeito de questões de fato parecem fundar-se na relação de causa e efeito. Tão só por meio desta relação podemos ir além da evidência de nossa memória e sentidos e todos os nossos raciocínios a respeito dos fatos são da mesma natureza. E neles se supõe constantemente que há uma conexão entre o fato presente e o que se infere dele. Se não tivesse nada que os unisse, a inferência seria totalmente precária (HUME, 2006).
Nem após mil árvores nascerem após plantarmos mil sementes será impossível cravar a certeza desta relação de causa e efeito com base apenas em Hume (2006). E ele mesmo afirma que mesmo havendo conhecimento dessa associação de causa e efeito o efeito oposto de não nascer árvore alguma após plantar a semente é igualmente válido. Assim como o sol não nascer amanhã sempre será uma ideia tão válida quando a de ele nascer. E só para complicar mais, Hume (2006) diz que apenas observar a semente e inferir que nasceu uma árvore nada nos diz sobre a relação de causa e efeito, ela é apenas associativa no campo das ideias, ninguém sente as ações, apenas observa os fatos e nossa cabeça se encarrega de dar sentido aos acontecimentos. Por conseguinte, se quiséssemos chegar a uma conclusão satisfatória quanto à natureza daquela evidência que nos assegura das questões de fato, temo-nos de perguntar como chegamos ao conhecimento da causa e do efeito (HUME, 2006).
Hume (2006) permite-se afirmar, como proposição geral que não admite exceção, que o conhecimento dessa relação em nenhum caso se atinge por raciocínios a priori, senão que surge inteiramente da experiência, quando encontramos que objetos particulares quaisquer estão constantemente unidos entre si. Ninguém se imagina que a explosão da pólvora ou a atração de um imã poderia descobrir-se por meio de argumentos a priori. Em vão, pois, tentaríamos determinar qualquer acontecimento singular, ou inferir qualquer causa ou efeito, sem a assistência da observação e da experiência.
Mas nenhum objeto revela pelas qualidades que aparecem aos sentidos, nem as causas que o produziram, nem os efeitos que surgem dele, nem pode nossa razão, sem a assistência da experiência, sacar inferência alguma da existência real e das questões de fato (HUME, 2006). É por isso que os mágicos e ilusionistas confundem nossa cabeça tão facilmente, nós não vemos as relações, apenas vemos os fatos e julgamos ser conhecedores das causas e efeitos, quando em verdade não somos.
Diante da incapacidade humana de compreender o universo Hume (2006) expressa que sem dúvida alguma, tem-se de aceitar que a natureza nos manteve à grande distância de todos os seus segredos e nos proporcionou só o conhecimento de algumas qualidades superficiais dos objetos enquanto nos oculta os poderes e princípios dos quais depende totalmente o influxo desses objetos.
Hume (2006, p.56) diz: "Encontrei que a tal objeto correspondeu sempre tal efeito e prevejo que outros objetos, que em aparência são similares, serão companhados por efeitos similares. Aceitarei, se se deseja, que uma proposição pode corretamente inferie-se da outra. Sei que, de fato, sempre se infere. Mas se se faz questão de que a inferência é realizada por meio de uma corrente de raciocínios, desejo que se apresente aquele raciocínio. A conexão entre essas duas proposições não é intuitiva. Requer-se um meio-termo que permita à mente chegar a tal inferência, se efetivamente se atinge por meio de raciocínio e argumentação. O que esse meio-termo seja, devo confessá-lo, ultrapassa meu entendimento, e incumbe apresentá-lo a quem afirma que realmente existe e que é a origem de todas as nossas conclusões a respeito das questões de fato."
Todos os raciocínios podem dividir-se em duas classes, a saber: o raciocínio demonstrativo ou aquele que concerne às relações de ideias e o raciocínio moral ou aquele que se refere às questões de fato e existenciais (HUME, 2006). Todos os argumentos a respeito da experiência se fundam na relação causa-efeito, que nosso conhecimento dessa relação deriva totalmente da experiência, e que todas as nossas conclusões experimentais se dão a partir do suposto de que o futuro será como foi o passado. Na realidade, todos os argumentos que se fundam na experiência estão baseados na semelhança que descobrimos entre objetos naturais, o que nos induz a esperar efeitos semelhantes aos que vimos seguir tais objetos.
De causas que aprecem semelhantes esperamos efeitos semelhantes. Isso parece compendiar nossas conclusões experimentais. Pois bem, parece evidente que se esta conclusão fora formada pela razão, seria tão perfeita a princípio e num só caso, como depois de uma longa sucessão de experiências. Mas a realidade é muito diferente. Não há nada tão semelhante entre si como os ovos, mas ninguém, em virtude dessa aparente semelhança, aguarda o mesmo gosto e sabor de todos eles. Mas onde está o processo de raciocínio que, a partir de um caso, atinge uma conclusão muito diferente da que se inferiu de cem casos, em nenhum modo diferentes do primeiro? (HUME, 2006)
Fica claro que Hume (2006) já observava que a natureza não é tão linear. Sua inquietação com a não replicabilidade das experiências é notória e ainda hoje é para qualquer ciência. É claro que muitos pensadores lidaram com essa questão e chegaram cada um com sua solução imperfeita, de fato, este é para mim o divisor de água metodológico: a forma de compreender a incerteza.
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