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13 de ago. de 2011
Casa-grande & Senzala
Gilberto Freyre, o homem do aeroporto, foi um gênio. E vou começar minha longa caminhada justamente por ele. Justamente pela sua popularidade e justamente, é claro, por sua pesquisa. Tão grande minha surpresa quando percebi que muita gente acha que o Casa-grande & senzala é um romance. Não, não e não. Freyre (2006) não fez isso. Seu mais famoso livro é na verdade um fragmento de sua tese de doutorado. Ou seja, é um relatório de sua pesquisa de doutoramento, e isso muito me interessa.
Devemos nos render aos encantos de Casa-grande que é um livro muito bem escrito, com uma linguagem agradabilíssima que ao final deixa aquela saudade que só os bons livros deixam. Gilberto Freyre fez mestrado nos EUA e doutorado em Portugal. Perdoem a minha ignorância, mas isso na década de 1920 e 1930 talvez signifique que o rapaz cruzou o atlântico a barco. E sendo assim, é o equivalente hoje a ir à Lua.
Freyre foi um homem à frente do seu tempo, primeiramente porque teve condições de se aventurar mundo afora, e mais ainda por ter uma visão que até então ninguém tinha apresentado com tamanha coerência. Casa-grande é carregado de um otimismo surpreendente, onde o senhor de engenho, o escravo e o índio se misturam docemente para a composição do povo brasileiro. E que mistura. Qualquer que o leia sem conhecer a história do Brasil é capaz de acreditar em algo improvável, a compaixão do senhor de engenho com seus escravos, que muitas vezes eram tratados como pessoas próximas que vivem em sua casa.
É certo que ao final, na prorrogação do segundo tempo Freyre (2006) apresenta uma realidade inconveniente onde concorda que o povo africano aqui escravizado sofreu de diversas formas distintas, desde mal tratos até o famoso banzo e as doenças. Mas o brilho maior desta obra é omitida por quem a lê. A pesquisa. Brilhante, improvável.
Freyre (2006) fez uma pesquisa histórica, baseada em documentos e indefinida quanto ao seu propósito (uma vez que a tese não é apresentada). Há contudo indícios de que esta se trata de uma pesquisa descritiva, e revisão documental descritiva é show. Lógico que estamos falando da década de 1930 e muitas das técnicas de análise de documentos nem existiam ainda.
Vamos aos fatos, dois capítulos dedicados ao escravo negro. Uma feroz defesa da tese do professor Afrânio Peixoto (a superioridade do negro ao índio) na página 368 e um ataque desproporcional à Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro que a negou na mesma página são evidências do que realmente pretendia Freyre (2006).
Uma rápida busca na web aponta a tese de Freyre (2006) de que a família é a raiz brasileira e a partir dela formou-se o povo brasileiro. Eu iria mais longe, além de sua perspectiva sobre a posição central do núcleo familiar, Freyre (2006) aposta também na superioridade do negro ao índio e sobretudo ao branco. Isso sustentado pela sua forte influência sobre o amolecimento do idioma, o fim dos rr's e ss's, na culinária, na libido, no sistema produtivo, na superioridade na escrava negra sobre a branca nos afazeres domésticos e na criação das crianças, entre outros. Indubitavelmente o índio é tido como um personagem secundário no livro, e quando confrontados os senhores de engenho com os escravos, Freyre (2006) parece ter uma leve preferência pelos segundos sobre os primeiros.
Pensemos agora no malabarismo que texto apresenta. Os argumentos, todos eles, são irrefutáveis da forma que foram apresentados. Todos linkados, divididos didaticamente em tópicos claramente identificáveis (mesmo que o texto não seja topificados). Aqui vai a heresia, Freyre (2006) pensou e argumentou de forma bastante quantitativa, e bateu fortemente em cada ponto, o mais forte que pode.
Quem age assim não explora, descreve. Ele tinha claramente em sua cabeça todas as variáveis de comparação entre os índios, negros e brancos (por exemplo, culinária, higiene, libido...) e as submeteu a uma análise comparativa, baseado em fontes válidas. Em sua estrutura, fica claro uma possível apresentação das proposições de pesquisa, onde cada fator possível de comparação é uma variável.
Imagino que esse trabalho tenha sido enorme. Mas sua solução é brilhante. Poderia uma mente menos brilhante simplesmente apresentar vícios e virtudes de cada um dos povos originais, mas Freyre (2006) teve a sacada de utilizar fatores parametrizáveis. Inclusive é perfeitamente possível apresentar uma tabela comparativa ao final do livro que sustente sua tese. Obviamente, sem modelagem.
Hoje, qualquer tentativa de estudo descritivo sem pesquisa de campo não é levada a sério. Isso acaba de mudar em minha cabeça, acredito que seja perfeitamente possível replicar o método de Freyre (2006) em qualquer área do conhecimento. Duvido que com o mesmo brilho, mas certamente é possível.
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Deu até vontade de ler! haha :)
ResponderExcluirA ideia é essa!!!
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